quinta-feira, 19 de abril de 2018

Lido: Todo o Silício do Mundo...

A obsessão dos leitores e da máquina editorial com os romances é daninha por mais do que uma razão, mas sobretudo porque tende a desprezar um conjunto de obras, muitas delas magníficas, pelo único motivo de serem curtas. A coisa atingiu um ponto de absurdo tal que há quem ache "pequeníssimo" um romance com 300 páginas, e o olhe de soslaio, desconfiada, apenas por esse motivo. Pior: embora alguns autores desenvolvam realmente o seu melhor trabalho em trabalhos dinossáuricos de 500 páginas para cima, muitos outros atingem o auge em extensões mais curtas, e por vezes muito mais curtas. Para cada romancista há alguém que é sobretudo (ou exclusivamente) contista, e é francamente estúpido pôr-se de lado a arte destes últimos apenas por ser mais curta. É como só se achar realmente pintor quem só pinte murais.

Mesmo dentro dos contistas (e uso aqui o termo em sentido lato) existem diferenças apreciáveis. Se alguns exploram melhor os seus estilos e ideias em contos curtos e vinhetas, ou mesmo em extensões ultracurtas, outros precisam de mais espaço para respirar e sentem-se particularmente à vontade na novela, na noveleta ou no conto longo. E Gerson Lodi-Ribeiro pertence claramente a este último grupo, motivo (ou pretexto) pelo qual eu falei disto aqui.

É que li Todo o Silício do Mundo... (bibliografia), um conto curto seu sobre a consequência longínqua de uma invasão alienígena. Ou melhor, reli; o conto está publicado em Portugal numa das suas coletâneas da Caminho e eu já tinha falado sobre ele, brevemente, aqui. E a opinião que me deixou a releitura é idêntica à da leitura: este é dos piores contos dele que li, apesar de a ideia base ser ótima, e embora não seja mau. Mas o Gerson tem muito melhor.

O problema é precisamente, parece-me, o conto ter a dimensão errada para a história que quer contar. Devia ser mais extenso, para pelo menos diluir o infodump, a longa rememoração do que teria acontecido após a invasão dos ETs, em um pouco mais de enredo. Ribeiro tem aqui uma ideia das suas, uma ideia complexa, daquelas que deram origem a tantas boas histórias mais longas, mas tenta contá-la em tão poucas palavras que o resultado sai coxo. Mesmo com a sofisticação do narrador pouco confiável a ajudar e mesmo tendo um final que é a melhor parte do conto.

Mas repito: não é um mau conto. É mediano.

Contos anteriores deste livro:

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