quarta-feira, 4 de abril de 2018

Lido: Poppies By Moonlight

Há histórias que assim que as acabamos de ler sabemos com precisão que reação nos causam. Às vezes até o sabemos antes mesmo de as acabarmos de ler; às vezes bastam algumas páginas. Mas existem outras que nos deixam na dúvida: eu gostei disto? Muitas vezes são histórias que ressoam com os nossos gostos em parte mas colidem com eles noutra parte. Histórias muito bem escritas sobre algo sem interesse algum, por exemplo. Ou vice-versa. Mas também acontece que essa pergunta seja motivada por causas mais difíceis de definir, e são esses os casos mais intrigantes.

Foi isto mesmo o que aconteceu entre mim e este Poppies By Moonlight, conto de uma autora que desconhecia por completo: Sydney J. Van Scyoc. É no essencial uma fantasia rural com toques de weird fiction sobre uma mulher que viaja ao longo da costa do Pacífico dos EUA, de Seattle, Washington, até à Califórnia, a fim de fazer a visita anual ao irmão adotivo e à quinta que fora dos pais, uma visita que é mais tradição do que férias, mais obrigação do que prazer. Porque o irmão é o oposto dela e o conflito entre os dois é sempre inevitável: um preguiçoso, imaturo, sem dinheiro nem perspetivas de vida. Só que ao chegar o vai encontrar mudado, e o que serve de motor à história é a sua surpresa com essa mudança e as várias hipóteses que vai arranjando para a explicar.

Nada, porém, a prepararia para a verdadeira razão: o irmão alugara não só a quinta mas o próprio corpo a um grupo de entidades cuja natureza Van Scyoc não explica mas têm todas as características de coisas sobrenaturais. Mas umas coisas sobrenaturais muito delicadas e bem educadas. Uns hóspedes quase ideais.

E eu gostei?

O conto está bem escrito, literariamente falando, e é cheio de pormenorezinhos subtis que vão deixando pistas de uma forma não inteiramente óbvia. São boas características. Mas o principal tema da história não são os seus elementos fantásticos e sim a dinâmica familiar desestruturada, de que ambas as principais personagens acabam por ser vítimas, cada uma à sua maneira. Os elementos fantásticos surgem quase como estratégia para resolver o enredo e os próprios traumas das personagens, uma espécie de deus ex machina para a vida, que sem ele teria inevitavelmente um fim desagradável. Suponho que seja por isso que eu tive tanta dificuldade em perceber se tinha gostado desta história ou não. Há nela uma desistência, um apelo a intervenção externa, a uma espécie de divindade mais ou menos new age, que choca de frente com a minha forma de ver o mundo, ao mesmo tempo que, sob um ponto de vista estritamente literário, só posso elogiá-la.

Portanto gostei?

Sim, um pouco. Suponho. Mas não muito, com toda a certeza.

Conto anterior desta publicação:

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