segunda-feira, 24 de julho de 2017

Lido: O Grande Segredo

É curiosa a arrumação dos contos nesta antologia. Já por mais de uma vez contos sucessivos parecem ter sido escolhidos, ou pelo menos encaixados no livro, por forma a realçar o contraste que fazem uns com os outros, mesmo quando, ou até sobretudo quando, os temas são no todo ou em parte comuns.

É o que acontece com este conto de Jorge de Sena e com o anterior, de Sophia de Mello Breyner Andresen. O fundo católico é comum a ambos, e no entanto dificilmente poderiam ser mais diferentes. Enquanto o conto de Sophia é basicamente realista (a menos que se ache que o homem ser fulminado sem motivo tem algo de miraculoso, o que não me parece), o de Sena é fantástico; ao passo que o de Sophia é no fundamental beato, Sena arma-se de iconoclastia e leva-a para dentro de um convento, mostrando-nos uma freira que é visitada por um ele que subtis pistas revelam ser o mesmíssimo Jesus Cristo que Sophia escreve a morrer, mas no conto de Sena não é homem, antes entidade luminosa, aparentemente feita de energia mais ou menos pura. Uma entidade sobrenatural que faz visitas regulares à freira. Uma entidade que, bem longe de estar morta, dificilmente se podia revelar mais viva. E esse é O Grande Segredo a que o título alude, pois só podia ficar em segredo que um Jesus Cristo insubstancial mas luminoso tivesse escolhido uma das suas "esposas" para com ela ter refulgentes encontros sexuais, para grande reverência e não menor inveja das demais freiras.

A iconoclastia, religiosa ou não, diverte-me. O fantástico agrada-me. Se a isso se soma um português de primeira água, como é o caso, só posso achar o conto ótimo.

Contos anteriores deste livro:

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