quinta-feira, 29 de novembro de 2012

Lido: Por Detrás da Luz

Por Detrás da Luz (bib.), novela lovecraftiana de João Barreiros, é bem capaz de ser a melhor de todas as obras que ele publicou na primeira década deste século, e só não o afirmo taxativamente porque ainda me falta ler uma. E também é uma das melhores coisas que o fantástico português produziu na década passada.

Trata-se, como disse, de uma obra lovecraftiana mas, como seria de esperar quando se fala de Barreiros, não é uma simples história de horror: tem ficção científica à mistura. Ambientada em dois tempos do futuro, conta a história de um viajante no tempo que, através de encantamentos retirados dos livros de Lovecraft e de um bocado de pele de um dos inomináveis lovecraftianos, logra recuar três décadas até aos momentos que antecedem a destruição atómica de Lisboa. Aí, recorrendo a estados alterados de tempo (ora lento, ora imóvel), dedica-se a recuperar artefactos que de outra forma seriam vaporizados na hecatombe nuclear, os quais lhe vão servir de base para um pequeno negócio na veneziana Cascais do seu tempo. Que tem isto a ver com Lovecraft? Tudo. Além de tal pele referida acima, a destruição de Lisboa, também ela no nosso futuro, ainda que mais próximo, ficou a dever-se à abertura iminente de um portal a meio do Tejo de onde se preparavam para jorrar todos os horrores lovrcraftianos.

Tudo isto é pano de fundo, muito bem imaginado e também muito bem caracterizado, mas a história em si tem mais a ver com os dilemas interiores do protagonista, mais complexo e tridimensional do que o que é hábito em Barreiros, o qual primeiro nos aparece cínico e duro mas depressa se vem a descobrir sentimental, embora perverso, e dilacerado por saudades da ex-mulher e por sentimentos de culpa.

Para compor o ramalhete, às tantas repara que nas suas viagens ao passado começam a surgir criaturas lovecraftianas por todo o lado, que estas não ficam sujeitas ao tempo lento ou imóvel como o resto de Lisboa e, o que é pior, que o ajudam, lhe pedem favores, lhe oferecem um mapa com um X a marcar a localização de um tesouro. Que tesouro? Não é muito difícil descobrir, até porque tem total coerência com quem é e o que sente o viajante no tempo.

Recomendo sem reservas este texto a qualquer leitor, mas tenho de fazer uma ressalva: se puderem escolher leiam a versão que saiu na antologia A Sombra Sobre Lisboa. É que a deste livro está francamente mal revista.

Contos anteriores desta publicação:

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