sábado, 10 de março de 2018

Lido: Antologia Fénix I

No rarefeito mundo da ficção especulativa portuguesa volta e meia surgem antologias temáticas em que aos autores é proposto que desenvolvam à sua maneira o tema x ou y. Há quem lhes torça um pouco o nariz, preferindo que aos autores seja dada a liberdade de proporem para publicação a melhor história que conseguirem escrever, independentemente do tema, mas creio que são mais os que as preferem, com base na ideia de que um livro (físico ou eletrónico, pouco importa) multiautoral que disponha de alguma unidade temática tem condições para ser mais interessante do que um que não a tenha. Eu não concordo nem com uns nem com os outros: acho que, salvo casos particulares em que o projeto é tão específico que fica indiscutivelmente maior do que a soma das partes (caso da antologia sobre a pulp fiction portuguesa, ou do universo partilhado construído em volta das histórias do João Barreiros inspiradas por Lisboa no Ano 2000 de Melo de Matos) tudo depende dos contos em si: se estes são bons, o resultado é bom; se não são...

Este primeiro volume da Antologia Fénix, organizado por Marcelina Gama Leandro e Álvaro de Sousa Holstein, teve dois pontos explícitos de limitação: as histórias tinham de ser elaboradas em volta dos livros e não podiam ultrapassar o tamanho de vinheta, embora houvesse uma certa flexibilidade (João Ventura, por exemplo, apresentou um conjunto de três minicontos). O género era livre, dentro dos parâmetros da ficção especulativa, e há contos de fantasia, ficção científica, terror (ou algo de semelhante) e fantástico mais todoroviano.

Como sempre acontece em compilações multiautorais de histórias (e até nas de um só autor), a qualidade destas é variável, mas pode-se dizer em seu favor que não há nenhuma que seja decididamente má, o que é mais do que algumas antologias publicadas em papel por editoras profissionais se podem gabar. Há algumas histórias fracas, ou bastante fracas (em especial a de Manuel Mendonça), mas situam-se mais no campo do medíocre do que no do mau. Por outro lado, também não há obras-primas e as histórias realmente boas são escassas. Mas existem, e entre elas destacaria as de Raquel da Cal, de Inês Montenegro, de Diana Sousa e, talvez, de Ana C. Nunes, embora a maior parte destas quatro histórias pouco acima esteja de um conjunto de outras seis ou sete no que toca à qualidade. Curiosamente, as autoras são todas mulheres. É absoluta coincidência esta opinião (muito atrasada) sair logo depois do 8 de Março, mas calhou bem.

No que toca aos passos em falso, há várias histórias que falham por a ambição da ideia se adequar mal à dimensão exigida para os contos. Não foram nem duas nem três as que exigiriam uma extensão maior (e por vezes muito maior) para os autores poderem realmente explorar as ideias a contento. Sintoma de falta de hábito e inexperiência na escrita de ficção ultracurta, parece-me, ou talvez, em certos casos, de falta de tempo para arranjarem ideias mais apropriadas; afinal, os próprios organizadores admitem na introdução que o prazo concedido foi curto. Essa inexperiência resolver-se-ia com o tempo, caso houvesse lugares para publicação regular deste tipo de ficções (e de outras mais extensas) e algo muitíssimo importante: mais leitores dispostos a fazer leituras críticas e com capacidade para as fazer. Mas aparentemente não temos nada disso, portanto a inexperiência só poderá agravar-se. É pena. Há aqui autores com potencial que assim, muito provavelmente, nunca conseguirão desenvolvê-lo.

E quanto a apreciação geral é tudo o que tenho a dizer. Eis agora o que achei das histórias individualmente consideradas, exceto uma, sobre a qual não opinei:
Esta antologia pode ser obtida gratuitamente em versões digitais, aqui.

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