sábado, 11 de novembro de 2017

Lido: O Destruidor de Mundos

Quem junta as qualidades de ser leitor habitual de ficção científica e conhecedor das ciências biológicas conhece bem a frustração que a primeira atividade costuma causar quando é posta em confronto com a segunda. Sabe bem que a ficção científica, genericamente, apesar de muitas vezes mostrar um cuidado quase obsessivo (pelo menos na vertente hard) com o rigor científico na parte físico-matemática da extrapolação, trata quase sempre a biologia com displicência, quando não com ignorância aberta e despreocupada.

Pois esta novela, O Destruidor de Mundos (bibliografia), é um belo exemplo do que acima fica dito. Charles Sheffield era físico e matemático, além de escritor de FC, o que explica que a biologia não fosse seu forte. Mas não ponhamos o carro à frente dos bois. Voltemos ao início.

Sheffield cria nesta novela uma história de mistério, centrada no desaparecimento de um homem. A princípio parece uma simples história de detetives, pois a mulher contrata uma detetive privada, a qual se põe a investigar as poucas pistas de que dispõe. Depressa aparece um novo elemento na história, a filatelia, explorado com algum detalhe e que vai abrir à heroína novas vias de investigação e lhe vai trazer um muito útil coadjuvante. Mas é por intermédio dos selos que tudo começa a ganhar contornos cada vez mais estranhos, aparecendo na história uma organização secreta que usa certos selos (que não são propriamente selos) como discreto método de identificação e comunicação e, seguindo a pista a essa organização, detetive e coadjuvante acabam por viajar até às Montanhas Rochosas, onde acham que talvez consigam encontrar o desaparecido.

E encontram. Mas também encontram aquilo que faz desta história ficção científica. E a razão da conversa inicial sobre a biologia e a FC. E se acham que isto até aqui já tem muito spoiler, deixem já de ler porque daqui para diante vai ter muitos mais.

O que encontram são instalações secretas de pesquisa, desenvolvidas pela tal sociedade secreta dos selos, nas quais se está a desenvolver um projeto de investigação inspirado por aqueles globos fechados que se vendem por aí, chamados ecosferas, nos quais um minúsculo ecossistema aquático autossustentável sobrevive sem qualquer contacto com o exterior. A ideia é desenvolver algo de semelhante em escala maior, capaz de sustentar pessoas, com vista à sua utilização na colonização do espaço. Mas tudo é feito num sistema de tentativa e erro, e os erros são numerosos; as primeiras ecosferas falharam e foram destruídas, as experiências em curso são pouco animadoras. Mas há uma exceção: uma das ecosferas mostra grande potencial e vai-se desenvolvendo com pujança. E é aqui que Sheffield põe a pata na poça biológica.

É que para que a sua história resulte, Sheffield tem de postular o impossível: uma evolução ultrarrápida de todo um ecossistema, capaz de, em meras horas, mudar radicalmente de estado — e nem se trata de resultado de contaminação alienígena, como em vários contos do João Barreiros; tudo resulta de manipulação da biologia local. Já vimos isto em vários sítios (o exemplo mais conhecido talvez seja o filme Evolution, que tem pelo menos a atenuante de ser uma comédia... e de ser contaminação alienígena), e é sempre disparatado, não sendo esta novela exceção.

Tirando isso, a história até resulta. É eficazmente movida pelo mistério do desaparecimento do homem, que se mantém até perto do fim, momento em que já outro motor tomou o controlo da narrativa: o mistério da investigação que se está a fazer nas instalações onde os protagonistas acabam e a ameaça que aparece quando é ventilada a ideia de organismos ultra agressivos arranjarem maneira de sair do ecossistema fechado em que se desenvolveram e entrar em contacto (e em confronto) com aquele que sustenta a vida humana. A prosa, não sendo nada de especial, é eficaz. Tudo somado, quem não seja particularmente sensível a pontapés grosseiros no rigor biológico terá provavelmente motivos para achar esta novela boa. Eu achei-a razoável, não mais que isso.

Contos anteriores desta publicação:

Sem comentários:

Enviar um comentário

Por motivos de spam persistente, todos os comentários neste blogue são moderados. Comentários legítimos passam, mas pode demorar algum tempo. Como sempre acontece, paga a maioria por uma minoria de idiotas. Parece ser assim que o mundo funciona, infelizmente.