terça-feira, 12 de setembro de 2017

Lido: No Labirinto

Não é novidade para ninguém que a ficção científica portuguesa é território rarefeito, com publicações esporádicas, poucos autores (e poucos leitores) e uma variedade de temas e abordagens que deixa muitíssimo a desejar, até porque vários dos autores que vão conseguindo ganhar alguma projeção mostram uma certa aversão ao risco de experimentarem registos diferentes daqueles em que se sentem mais confortáveis. Neste contexto, não é de surpreender que subgéneros inteiros estejam imensamente subrepresentados, quando o estão de todo. O ciberpunk é um desses géneros, pois talvez se consigam contar pelos dedos das mãos as obras ciberpunk que foram produzidas por autores portugueses dos anos 80 a esta parte. E quando falo em obras incluo contos, não me refiro só a livros.

No Labirinto (bibliografia), de Ricardo Loureiro, é uma dessas obras.

E é bastante típica, acompanhando as desventuras de um hacker (de quem mais?), variedade crawler, prestes a ver a sua atividade ultrapassada por programas de inteligência artificial de última geração, ou pelo menos assim o dizem os boatos, enquanto se vai vendo submerso num dilúvio de problemas provocados pela infeção por um vírus. Dos informáticos, não dos biológicos, embora tenha os seus efeitos visíveis no corpo do protagonista. E claro que as coisas não correm bem; o ciberpunk e a distopia são gémeos de pais diferentes.

O conto não é mau, mas também não é bom. Loureiro perdeu uma boa oportunidade de criar uma história relevante quando aflorou o tema da substituição de profissionais por IAs sem realmente o aprofundar, limitando-se a escrever uma muito mais batida aventura de sobrevivência (ou pelo menos tentativa de) sob o ataque de uma doença. Talvez piores são as fragilidades que mostra no domínio da língua, com frases como "a comichão tornou-o a incomodar" e outras do mesmo género. Particularmente irritante para mim, embora isso seja assumidamente questão de gosto e eu perceba o que lhe está na origem, é a autêntica floresta de anglicismos que o conto contém, muitos dos quais me parecem muitíssimo desnecessários (account? jobs? countermeasures? C'mon!).

E mesmo assim, tão escassa é a produção que este conto é talvez o melhor conto ciberpunk português que eu li e provavelmente será dos melhores que se escreveram. Mesmo não passando, como não passa, do razoável.

Conto anterior desta publicação:

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