sexta-feira, 13 de janeiro de 2017

Lido: A Saga de Alex 9

De vez em quando aparecem no rarefeito panorama da literatura fantástica produzida em Portugal umas edições invulgares. A Saga de Alex 9 (bibliografia) é uma dessas edições, e por vários motivos.

É invulgar, em primeiro lugar, por se tratar de um tipo de edição que só muito raramente acontece por cá: aquilo a que no mundo anglófono se dá o nome de omnibus, uma compilação, completa ou não, dos romances que compõem uma série, quase sempre após terem sido publicados isoladamente. Além deste livro, que me lembre, só a duologia Galxmente de Luís Filipe Silva recebeu recentemente idêntico tratamento, e neste caso tratou-se de uma obra inicialmente pensada como romance unitário que, com a edição em volume único, terá recuperado a estrutura original. Parece claro que, pelo contrário, Bruno Martins Soares pensou a sua obra como trilogia e dois dos três romances saíram autonomamente, assinados sob o pseudónimo anglófono de Martin S. Braun.

É invulgar, em segundo lugar, porque mistura de uma forma também muito pouco comum entre nós a fantasia e a ficção científica. Não pela mistura em si — ela existe em vários exemplares da ficção fantástica portuguesa, de Tércio a Macedo e até, por vezes, ao próprio Barreiros, ainda que aqui se encontre mais horror do que propriamente fantasia — mas pelos ingredientes postos na mistura: fantasia épica e space opera. Não me consigo lembrar de nenhum outro exemplo que tenha lido.

É também invulgar pela dimensão. Na ficção científica portuguesa, só o Terrarium da dupla Barreiros-Silva e, mais recentemente, o já referido Galxmente, atingem dimensões próximas das 600 páginas.

E é invulgar, enfim, por se inserir numa corrente pulp que tem muito poucos cultores em Portugal, e os que tem muitas vezes dão a impressão de não conhecerem o suficiente do género para o explorarem bem. Não é o caso de Soares.

Este cria uma história complexa, fundada num fascínio evidente pelas artes marciais japonesas, pela estratégia militar e pela forma pulp de contar histórias, suspeito que mais influenciada por formas não literárias de contar histórias (cinema, anime, BD) do que propriamente pela literatura, e na qual se mistura num todo nem sempre harmonioso um futuro de space opera com claros elementos cyberpunk e um passado com muito de medieval, ainda que em mundo secundário. O fulcro, como é de norma nas coisas pulp, é posto na ação, ainda que vá sendo dada mais atenção a outros elementos com o decorrer da história. A abordagem é declaradamente juvenil; não por acaso os dois romances que tiveram edição autónoma saíram numa coleção chamada TEEN.

Bastam muitas destas coisas para transformar esta obra num livro importante no contexto da FC portuguesa. Mas isso não quer dizer que seja um livro sem problemas.

Para começar, há o problema do primeiro romance. É pena que a reedição dos três livros em um só não tenha sido aproveitada para uma revisão aprofundada do primeiro romance, cuja qualidade geral fica bastante abaixo da dos outros dois. Depois, há o problema das pontas soltas que ainda ficam soltas ao concluir-se a leitura, apesar da tentativa de as amarrar, no fim, com um grande infodump em forma de epílogo. E depois há problemas que decorrem da abordagem pulp e talvez fosse difícil evitar mantendo essa abordagem. O maior desses problemas é a previsibilidade.

Uma das grandes qualidades que tem George R. R. Martin é ter compreendido que uma história de ação em que os heróis estão identificados desde o início e têm por isso a sobrevivência assegurada até ao fim é uma história amputada. Que o impacto emocional que os perigos e problemas por que passam causam no leitor é significativamente reduzido quando este sabe à partida que nada de realmente sério vai acabar por lhes acontecer. Mas nas histórias pulp, o herói é o herói e no fim vence, ficando com a heroína e vivendo com ela feliz para sempre. O desfecho está definido de antemão e assim a leitura acaba por ganhar um caráter significativo de ruminação. Ora, apesar do que a editora resolveu pôr na capa deste livro, Bruno Martins Soares decididamente não é "o George R. R. Martin português". À parte o mérito de trocar o género à estrutura pulp típica, usando uma heroína em vez de um herói, tudo o resto é como vem na receita.

E este é, para mim que não gosto de pulp, o grande pecado original deste livro. Mais do que as fragilidades de escrita, mais do que as pontas soltas, mais que o infodump, foi sobretudo isto que não me permitiu usufruir a leitura de forma plena. E foi por isso que, tendo acabado por gostar do livro, e apesar de, como digo acima, o achar importante, não gostei muito.

Para mais detalhes sobre os três romances considerados individualmente, seguir os respetivos links:
Este livro foi comprado.

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