terça-feira, 12 de abril de 2016

Lido: Escola de Mulheres

Escola de Mulheres é uma peça de Molière e, aqui chegada, a mancheia de meia dúzia que costuma ler este blogue deve estar a coçar a cabeça e a pensar "Mas ca raio?! Que faz este tipo a ler teatro?! Não uma peçazita numa antologia, ou um sketch noutra, mas teatro-teatro?!"

Resposta: gosto de ler de tudo um pouco; convém, para se poder comparar e ter pelo menos uma ideia do que se fala. Mas é verdade que em certos géneros um pouco é mesmo pouco. Um desses géneros é o teatro. Nunca gostei muito do teatro propriamente dito (o seu caráter artificioso sempre me desagradou), mas li algumas peças na minha fase furiosamente omnívora, no fim da adolescência, e não falo só das leituras de Gil Vicente obrigatórias ou aconselhadas na escola. Gil Vicente sempre me divertiu (um dia ainda o hei de reler), mas do resto também não gostei muito; faltava sempre qualquer coisa àqueles textos, o que é natural, visto que se destinam a ser representados. Por outro lado, nenhum deles era de Molière, e Molière é Molière.

Pois este Escola de Mulheres é uma comédia mundana, cujo protagonista é um homem, em extremo cioso da lisura da sua testa, que por isso decide que há de arranjar uma ingénua, encarcerá-la num casarão sem lhe dar instrução que lhe possa abrir os olhos para o mundo, para assim obter um casamento feliz e livre de cornos. E claro que as coisas correm mal.

Continuei sem gostar muito, é certo. O texto é divertido, mas continua a faltar-lhe o que falta a todos: a parte cénica. E além disso, Molière foi tão influente e escreveram-se tantas comédias de costumes depois dele, que esta peça já perdeu há muito a frescura que poderá ter tido. Assim pensei ao acabá-la, mas foi ao pensar isto que se instalou o assombro.

É que Molière nasceu em 1622, há quase quatrocentos anos, e só viveu 51. E este texto é não só bastante profundo como quase feminista! Só não o é mesmo porque a emancipação da rapariga se dá por via sentimental, acabando ela casada e conforme aos ditames da sociedade patriarcal, o que explicará que, em vez de ter sido proibida e enterrada no fundo do baú das obras subversivas, tenha sido um sucesso. A frescura que poderá ter tido, pensava eu? Que poderá? Não. A frescura que teve mesmo, com absoluta certeza.

Bastou-me ler isto para perceber o porquê de Molière ser Molière. Acho que este é o melhor elogio que se pode dar a um artista. E quando as coisas chegam a esse ponto, o gosto pessoal, no fim de contas, pouca relevância tem.

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