segunda-feira, 17 de junho de 2013

Deixem-me contar-vos uma história sobre greves de professores

Deixem-me contar-vos uma história.

Nos idos de 1989, se não me engano nas datas, eu, depois de uma mal sucedida experiência no estrangeiro, era um jovem a tentar entrar para uma universidade portuguesa. Nessa época havia exames específicos para a admissão na universidade, cujo nome me está agora a escapar, e também havia reivindicações da classe docente.

E greves.

Os meus exames eram em Faro, a mais de 60 km de Portimão. 60 para lá, 60 para cá; 120 km pela famigerada estrada nacional 125, porque ainda não tínhamos direito a uma Via do Infante que ligasse o Barlavento ao Sotavento do Algarve (e agora já deixámos de ter outra vez, mas isso são outros quinhentos).

E os professores fizeram greve às avaliações.

Sucessivas.

Fui a Faro três vezes para fazer o exame. De uma dessas vezes, houve uma revolta semelhante à que houve hoje numa das escolas, e pelos mesmos motivos: havia alguns colegas a fazer exame ao passo que outros de nós não tínhamos como. Era injusto. Inaceitável. Fizemos barulho, invadimos salas, não nos deixámos tratar de forma desigual.

O braço de ferro prolongou-se. O resultado final foi entrarmos na universidade só em janeiro de 1990, não em outubro de 1989 como estava previsto. Esse primeiro ano foi curto e puxado.

Mas depois tudo entrou rapidamente nos eixos. Fizemos os nossos cursos. Uns de nós tiveram sucesso, outros nem por isso, como sempre acontece. Tenho colegas em altos cargos, outros aparecem com alguma regularidade nas televisões a propósito do seu trabalho; de outros perdi o rasto. Alguns são professores e, provavelmente, estão agora a fazer greve. Mas mazelas duradouras devidas à greve? Não houve. A nossa vida académica acabou por ser igual à de todos os outros estudantes.

Portanto, eu sei do que falo quando vos digo o seguinte: tentar apresentar esta greve como uma irresponsabilidade perante o futuro dos estudantes é um embuste. Uma aldrabice. Uma vigarice.

E eu estou sem paciência rigorosamente nenhuma para vigaristas.

Os professores, hoje, têm muito mais razões para fazerem greve do que tinham em 1989. E hoje a greve é, pelo menos para já, muito mais inócua do que foi em 1989. Portanto que a façam, e que a façam em massa. Os estudantes não ficarão prejudicados de forma duradoura. Dentro de semanas, meses, ou no máximo um ano se isto se prolongar, já estarão como estariam sem greve nenhuma. Para eles, tudo será como se não tivesse havido greve, à parte ficarem com a recordação e o espírito de grupo de terem pertencido à geração da greve de 2013.

Eu pertenço à geração da greve de 1989. E dela a única coisa que ficou foi o Blues do Caloiro, cuja letra escrevi e que fui cantar na Prata da Casa da minha primeira Semana Académica com o Orlando e o Pedro. Todos caloiríssimos. E todos orgulhosos de estamos ali e do modo como ali fomos parar.

Aqui fica. Talvez inspire alguém:

Blues do Caloiro

Os profes fizeram greve
e exames não havia
e eu parecia um coiso inchado
queria entrar mas não podia

Mas depois lá fui praxado
fui gozado, maltratado
e c'o pêlo enfarinhado
fui à fonte ser lavado

Finalmente nas Gambelas
vou prás aulas ressonar
e no meio das pielas
faço um esforço pra estudar

Este é o blues dos caloiros
da nossa universidade
nunca houve outros caloiros
com a nossa qualidade

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